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No mês de outubro desse ano, a Familia Bocelli esteve no Brasil para promover a degustação de seus vinhos importados com exclusividade pela Italiamais. Aproveitando essa visita, a Revista Adega realizou uma entrevista exclusiva, a qual apresentamos aqui!

Voz, Vinho, Alma

A FAMÍLIA BOCELLI MOSTRA COMO A MÚSICA E O VINHO PODEM CRIAR UMA HARMONIA PERFEITA

boccelli-entrevista

A apresentação começa. Antonio Sanguineti, enólogo e diretor comercial da empresa vinícola dos Bocelli, mal começa a falar sobre a história vitivinícola da família quando, de repente, sem cerimônia, Alberto Bocelli levanta-se e sai da sala inexplicavelmente. Onde teria ido? Um pouco de suspense é criado. Afinal, um dia antes, seu irmão Andrea, o tenor, havia feito um show em São Paulo e a apresentação dos vinhos ocorria no mesmo hotel onde ele estava hospedado. Ou seja, era relativamente óbvio o que estava para acontecer.

Sanguineti continua sua fala sem se importar com a ausência de Alberto, que demora a voltar. Em um determinado momento, sinais surgem do fundo da sala. O enólogo interrompe as explicações e começa um burburinho. Era certo que o mais famoso membro da família estava prestes a fazer uma aparição.

De braço dado com o seu irmão mais novo, Andrea percorre o longo corredor do centro da sala enquanto os presentes observam atônitos. Celulares logo se erguem para uma imagem da grande estrela da música “pop-clássica”. O silêncio é quase sepulcral. Assim que Andrea pega o microfone, certamente alguns corações disparam. Mas ele não faz uso de seus dotes vocais, apenas agradece, humildemente, a presença de todos que vieram conhecer os vinhos de sua família.

Levemente decepcionada, mas feliz por ver o astro de perto, a plateia aplaude sua saída e agora está preparada para o “show”para qual havia sido efetivamente convidada, provar os vinhos da família Bocelli. Logo após a prova, ADEGA conversou com Alberto, seu filho Alessio (a cargo da empresa atualmente), e Sanguineti.

Como a família Bocelli foi parar no mundo do vinho?

Alberto BocelliCompramos a ‘azienda’ – no vilarejo de Lajatico, na Toscana – em 1831. Já são 185 anos. Somos de uma família que trabalhava na terra de outras grandes famílias, e príncipes e marqueses. Depois, começamos nós mesmos a cultivar. Havia diversas atividades, inclusive o vinho desde daquela época.

Quem passou a investir verdadeiramente no vinho?

Alberto Bocelli – Meu pai conta que, nos nos 1920, meu avô, Alcide, tinha uma produção de vinho que vendia para os cidadãos do redor da fazenda. Isso não está documentado, mas encontramos, em casa, garrafas que ele mantinha de anos especiais – de quando meu pai, Andrea e eu nascemos. Foi emocionante ver uma garrafa de 1928 (ano de nascimento do pai, Alessandro). Já tinha um rótulo quase moderno. Não era escrito à mão. Era um rótulo triangular com uma marca que ele usava para identificar o gado, AB. Não era refinada, mas era moderna.

E o seu pai continuou?

Alberto BocelliMeu pai era comerciante de máquinas agrícolas, especialmente tratores. Os produtores dessas máquinas ficam no norte do país, então, a cada 15 dias, vinha um caminhão trazer materiais. E era costume dos caminhoneiros, em vez de voltarem vazios, pegarem recipientes, chamados damijane, de vidro de 54 litros e carregarem de vinho. Eles vendiam aos restaurantes pela estrada. Isso foi nos anos 1960.

Como essa história chega até você e seu irmão?

Alberto BocelliQuando meu pai faleceu, no 2000, decidimos investir e reorganizar toda a estrutura da azienda. Passamos a engarrafar os vinhos da propriedade. Fizemos alguns testes, com degustações cegas. Vendo que o vinho agradava, criamos coragem e fomos atrás de pessoas que distribuíssem nos Estados Unidos, assim conhecemos Antonio Sanguineti.

Você é arquiteto, Andrea é cantor. Você diz que seu pai trabalhava com máquinas agrícolas. O vinho era uma atividade paralela na família?

Alberto BocelliSou arquiteto, mas estou de olho na vinícola, assim como meu pai, que era comerciante e também ficava de olho nela. Meu avô era engenheiro mecânico. Meu bisavô era carpinteiro. Sempre foi assim. A fazenda sempre foi um refúgio do espírito, não um negócio. E assim chegou até nós.

Mas hoje não é preciso se dedicar mais ao negócio?

Alessio BocelliRecentemente, a visão da família em relação ao negócio do vinho mudou, há mais importância e também a necessidade de uma maior atenção. Então estou a cargo disso. Comecei não faz muito tempo, há dois anos. Estou me formando…Não estudei enologia, pelo menos não ainda.  Alberto Bocelli – Ele não bebia [risos].

Atualmente vocês não produzem apenas os vinhos de sua própria propriedade em Lajatico, mas Prosecco, Pinot Grigio e outros fora. Como foi isso?

Alberto BocelliFazíamos poucas garrafas. Então pensamos em aumentar com colaborações. Com isso, criamos outras linhas de vinho para ter uma quantidade considerável para vender para o mundo.

Antonio SanguinetiPara nós, Prosecco é uma bandeira da Italianidade, assim como Pinot Grigio. São produtos que representam a Itália. Criamos uma linha que permite às pessoas desfrutar dos vinhos da marca Bocelli em 360 graus. Andrea criou uma ponte entre a música clássica e a popular. E é um pouco o que estamos fazendo com nossos vinhos. Tentando criar um ponto entre o clássico da Toscana e também a modernidade de outras áreas geográficas.

Seu foco é o mercado externo. Por que optaram por não vender na Itália?

Antonio SanguinetiDiz-se que ninguém é profeta em sua pátria. Mas há um problema fundamental. A distribuição é muito difícil, muito cara e com risco, pois não paga as contas. Muitos clientes não pagam. Prefiro mandar os vinhos para o exterior para pessoas que pagam.

andrea e alberto bocelli

 

Em sua propriedade, vocês fazem vinhos tradicionais da Toscana, mas também resolveram produzir Cabernet Sauvignon, por quê?

Alberto BocelliAndrea viajava muito a trabalho e bebia muitos tipos de Cabernet. Ele veio para casa e disse: ‘Precisamos ter um Cabernet’. Fizemos um teste em um vinhedo de 3 hectares que nos deu muita satisfação. É um platô alto no meio de dois rios que pega sol o dia todo e a consistência do terreno é um blend de areia e argila que dá complexidade estrutural. Em Lajatico temos cerca de 130 hectares, sete de vinhas.

Vocês possuem tanto um Sangiovese puro, quanto um Cabernet, e um blend?

Alberto BocelliTanto o Sangiovese quanto o Cabernet são colocados em barricas novas tão logo começa a fermentação malolática. Depois de 18 meses, com o Sangiovese fazemos o rótulo Terre di Sandro. Com o Cabernet, o Incanto. Uma parte misturamos ali, 50% Sangiovese e 50% Cabernet e, com isso, fazemos o Alcide.

De que tipo de vinhos gosta?

Alberto BocelliPrimeiramente, os tintos. Tomo tinto mesmo com peixe e não me envergonho de dizer. Gosto dos bastante estruturados, alcoólicos, mas elegantes.

Qual seu papel na empresa?

Alberto BocelliNa parte do campo e da produção, quem cuida é a minha mulher, Cinzia. Com o produto finalizado, vem para uma outra gestão comercial, e disso se ocupa Alessio juntamente com Antonio. ‘Alberto o que faz?’ É arquiteto. Bebe vinho. E tenta ajustar as coisas. Uma função de decisão e não operativa.

E Andrea?

Alberto BocelliFoi quem estimulou inicialmente a introdução de novos vinhedos. Ele é um propositor, muito crítico. Ama o vinho. Quando bebe, sempre são os principais vinhos da propriedade. Então há um pouco de conflito. Segundo ele, deveríamos fazer somente aqueles vinhos.

Como arquiteto, você renovou a cantina?

Alberto BocelliProjetei inúmeras vinícolas toscanas para os amigos. Em dois dias, fazia o projeto, em seis meses construía e fim. São bonitas e funcionais. Mas, para fazer para mim, tive esse problema. Desenhei mais de 20 vezes. É mais fácil desenhar para os outros. Mas agora finalizamos o projeto e uma nova vinícola começará a ser construída no próximo ano.

O que significa o desenho que está nos rótulos?

Alberto BocelliÉ um segredo.

Alessio BocelliSou filho e confirmo, é um segredo. E é um segredo dele. Não da família.

Alberto BocelliComo vinho é uma coisa mais minha que um negócio, fiz o que gostava. Quando abrimos o mercado americano, contratamos uma empresa de comunicação. Eles acreditaram que eu também ia usar a nova logomarca, mas como sou um pouco rebelde, disse não. Mas os rótulos serão todos modernizados a partir de 2017.

Além do mesmo gosto pelo vinho, a família também tem o mesmo gosto pela música?

Alberto BocelliDigamos que o timbre vocal, a cor da voz de Andrea é a mesma da minha. Eu seria tenor se tivesse sido cantor. Mas há dois problemas. Um que me envergonho diante das pessoas. Dois é que não estudei técnica. Se tentamos a mesma nota, minha mãe sabe quando canto ou ele. O interessante é que o filho de Andrea também tem a mesma coloratura, que é a mesma de Alessio…A voz, nós quatro temos. Mas não basta a voz, é preciso alma.

Por: Arnaldo Grizzo

Fonte: Revista Adega nº 133 – 2016